Arquitetura em diálogo

Eu penso que uma das vantagens da entrevista é ter o entrevistado se expressando com mais frequência em primeira pessoa. Diferentemente de outros textos não literários, em que o emprego do “eu” e do “nós” tende a transparecer certo sentimentalismo ou mesmo egocentrismo, na entrevista, a urgência do ato de responder fragiliza os filtros pessoais. Quando estimulado pelo entrevistador, o entrevistado, em sua fala de sujeito determinado, encontra espaço para a exposição direta, não escamoteada, de seus argumentos. Perde-se muito do pudor em se posicionar explicitamente com “Eu…”.

Arquitetura em diálogo (2015) apresenta dez entrevistas feitas por Alejandro Zaera-Polo para as publicações monográficas da El Croquis. Há de se notar, neste caso, que o termo “diálogo” é mais pertinente que “entrevista”: Zaera-Polo é um participante ativo, que não se restringe a fazer perguntas, mas expõe francamente análises e julgamentos a respeito dos arquitetos com os quais está conversando. Seja para provocar ou corroborar, sempre busca ampliar o conteúdo em discussão. Melhor comprovação não há do que a conversa com a nipônica e monossilábica dupla de arquitetos Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa, na qual o entrevistador se mostra mais eloquente que os entrevistados.

Metade dos entrevistados recebeu o prêmio Pritzker após a publicação original das entrevistas, o que indica tanto a importância dos arquitetos que estão em Arquitetura em diálogo quanto o valor de seus discursos antes do reconhecimento máximo – isto é, antes de possíveis envaidecimentos e mistificações subsequentes. Coube a Martin Corullon, do escritório paulistano Metro, a organização e a apresentação do livro com diálogos de 1992 a 2000.

Eram tempos diferentes dos atuais. O muro de Berlim acabara de ser posto abaixo. As expectativas e o otimismo com a União Europeia, que permeiam diversas falas, foram praticamente varridos pela crise de 2008. Enquanto muito se mencionava o Japão pós-milagre econômico, a China mal era citada. O que eram Google, Facebook, Twitter, Instagram, senão nada? Contudo, o que poderia ser visto como datado é exatamente de onde provêm as grandes virtudes do livro.

Na década de 90, aspectos da globalização transformam de vez a dinâmica dos grandes escritórios de arquitetura, a exemplo das recorrentes encomendas de projetos fora do país sede. Mais do que isso, nos diálogos, os arquitetos apresentam questões verificáveis em edifícios, textos e exposições concluídos ou concebidos posteriormente às entrevistas. O interesse de Rem Koolhaas pela estrutura e instalações prediais desdobra-se no texto “Junkspace” – publicado em O campo ampliado da arquitetura: Antologia teórica 1993-2009 (2013) , de A. Krista Sykes. – e na exibição Fundamentals da Bienal de Veneza de 2014. Rafael Moneo já faz análises acerca de projetos notáveis de seus colegas de profissão, que, reunidas, deram origem a Inquietação teórica e estratégia projetual (2008).

As dez entrevistas anteciparam, na El Croquis, e introduzem, em Arquitetura em diálogo, um amplo espectro de ideias arquitetônicas.

Por esta característica, acredito que o livro deva ser recebido pelos arquitetos brasileiros como provocação e estímulo. Em entrevistas de arquitetos brasileiros que li recentemente, predominam discursos acerca das trajetórias, da operacionalidade dos escritórios, do modo como apresentar melhor seus trabalhos – perspectivas eletrônicas, pranchas de concursos, etc. –, da afirmação da figura do arquiteto na sociedade. O que falta? Reflexão sobre os próprios projetos. Estudos que ponham em dúvida certos cânones e operações naturalizadas no cotidiano da prática. Pesquisas arquitetônicas em si.

Delas, Arquitetura em diálogo é heterogeneamente repleto. Herzog & de Meuron aproximam-se da arte porque nela encontraram “pessoas […] mais interessadas em descobrir que em defender algo”. Peter Eisenman discute a interioridade da arquitetura fundamentando-se em filósofos contemporâneos. Koolhaas questiona a compulsão pela “ordem” no ato projetivo de arquitetos como Corbusier, Mies e Kahn. Jean Nouvel defende a arquitetura enquanto produção de um objeto ambíguo e misterioso. Frank Gehry apresenta a cronologia do raciocínio que levou à espetacularização formal do Guggenheim Bilbao, então em construção. Steven Holl analisa o modo como o conceito surge e fundamenta o projeto. Vemos Enric Miralles numa de suas últimas entrevistas e Álvaro Siza se posicionar verbalmente acerca de sua própria obra, como poucas vezes o fez.

Não é simples sair da rotina operativa do escritório para fazer uma autoanálise e verbalizá-la em debate na esfera pública. Quantos fazem isto no Brasil? Poucos. Pouquíssimos. Arquitetura em Diálogo é um belo incentivo à reflexão.

Leia a revista Plot 25 (agosto 2015)
http://www.revistaplot.com/en/plot-25/